Violações Legais na Exigência do Relatório de Transparência Salarial

Equipe Guia Trabalhista

Lei 14.611/2023, embora preveja a publicação do relatório da transparência salarial pelas entidades privadas com 100 (cem) ou mais empregados, assegura, de forma expressa, que os dados serão anônimos e unificados, não havendo qualquer referência quanto à forma de divulgação pelas empresas de tais informações.

Tais dados foram, posteriormente à Lei, explicitados pelo Decreto 11.795/2023 e pela Portaria MTE 3.714/2023. Nestas normas, exige-se que as informações sejam publicadas nos sites das próprias empresas, nas suas redes sociais ou em instrumentos similares, gerando uma série de questionamentos, entre os quais, a de que as empresas devam adotar práticas trabalhistas que a lei não impõe, especialmente a divulgação de salários de seu quadro funcional.

Tais informações, publicadas seja via site ou rede social da própria empresa, podem permitir, a partir da combinação de dados, a identificação e a vinculação das remunerações dos empregados, expondo dados relevantes e, consequentemente, ofendendo os direitos de privacidade, intimidade e proteção de dados.

Em suma, as normas exigem diversas informações sigilosas, que não se limitarão ao conhecimento por parte do Governo Federal, mas serão objeto de divulgação pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelas próprias empresas, com acesso amplo por parte do público em geral, violando de forma direta a Lei Geral de Proteção de Dados – Lei 13.709/2018, entre outras disposições, como a própria CLT.

Outro problema identificado pelos operadores de direito é a quebra de sigilo contratual, pois a evidenciação de salário em relatório público pode levar a quebra de cláusula contratual entre empregado e empregador, gerando hipóteses de multas, rescisões e até ações de danos morais.

Há ainda o entendimento que tais exigências envolvendo a exposição do modelo de negócio das empresas e das suas estratégias salariais, para contratações, retenções de talentos, entre outros, implicam não apenas ofensa aos princípios constitucionais da privacidade e da intimidade, mas também ao princípio da livre concorrência, na medida em que terão seus dados e suas práticas salariais publicadas.

O relatório da transparência deixa de respeitar critérios que a própria legislação trabalhista (art. 461 da CLT) estabelece como justificativa legal para diferenças salariais, tais como produtividade, perfeição técnica, tempo de serviço para o mesmo empregador superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos – portanto, a comparação salarial objeto do relatório da transparência é flagrantemente conflitante com as hipóteses legais em que a distinção salarial é legítima e lícita.

Algumas empresas já se insurgiram contra tal violação de dados de seus funcionários, exigidas pelas normas infralegais citadas, e obtiveram liminares na justiça, afastando a obrigação de publicarem tais relatórios. Aguarda-se o desenrolar dos acontecimentos, mas recomenda-se aos gestores de RH a devida cautela na divulgação de dados funcionais que possam prejudicar a proteção dos dados dos colaboradores.

Para uma maior proteção a empresa poderá pleitear, junto ao judiciário, pedido de liminar com objetivo de afastar a obrigação da publicação dos relatórios, de modo a se resguardar de sofrer qualquer multa administrativa estipulada para o não cumprimento das obrigações consideradas ilegais, ora tratadas.

Referências: processos

Processos: Nº 5004530-33.2024.4.03.6100/SP e Nº 5011649-62.2024.4.02.5101/RJ.

Horas Extras: TST Mantém Apuração de Dados de Cartão de Transporte

TST mantém determinação de levantamento de extrato de cartão de transporte de vendedora – para a SDI-2, a medida não viola a intimidade da trabalhadora.

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o pedido de uma vendedora da Via S.A., no Rio de Janeiro (RJ), contra decisão que determinou o levantamento do extrato do seu cartão de transporte. A decisão levou em conta que o documento informa apenas o dia e a hora do uso do cartão, o valor debitado e a linha de ônibus utilizada, não violando, assim, a intimidade e a privacidade da trabalhadora.

Horas extras

Na reclamação trabalhista, a vendedora pretende receber horas extras. Segundo ela, os cartões de ponto não condiziam com sua real jornada de trabalho, porque teriam sido marcados incorretamente ou manipulados. 

Na época, a Via sustentou que a jornada sempre fora controlada corretamente e que as eventuais horas extras haviam sido devidamente quitadas. 

Riocard

Diante das divergências nos depoimentos, o juízo da 28ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro determinou, por meio de ofício, que a RioCard, responsável pelo sistema de bilhetagem eletrônica mais usado no estado, fornecesse o extrato de utilização do cartão de transporte da vendedora, para comprovar a jornada extraordinária alegada.

Intimidade

Ela, então, entrou com um mandado de segurança, sustentando que a produção da prova violava sua intimidade e sua privacidade, pois os dados eram obtidos por meio do seu CPF.Verdade dos fatos

Ao analisar o caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) não acolheu o mandado, por avaliar que a utilização dos dados relativos ao cartão não traria prejuízo para a empregada, uma vez que o objetivo da medida era a busca pela verdade dos fatos. 

Geolocalização

No recurso ao TST, a empregada argumentou que o relatório que revela sua localização é dado pessoal, e seu fornecimento “representa quebra de sigilo de geolocalização, proteção assegurada constitucionalmente”. Segundo ela, a medida não se limita a revelar a sua localização e a de testemunhas somente em relação ao trabalho, mas de forma irrestrita, durante toda a vigência do contrato, “sem se preocupar se tais dados irão revelar as localidades transitadas em suas vidas privadas, no seio de sua intimidade”.

Contaminação

Ainda, segundo a trabalhadora, as provas seriam inócuas, pois não mostrariam o horário de entrada e de saída no trabalho. Ela alegou, ainda, que a possibilidade de o cartão Riocard ser utilizado por outra pessoa, com o seu consentimento, ou de ela ter compromisso antes ou depois do fim da jornada contaminaria o conteúdo dos relatórios. 

Estado de vigilância

Para a relatora do recurso, ministra Liana Chaib, no caso concreto, não há quebra de sigilo de geolocalização propriamente dito. Segundo ela, os extratos a serem apresentados pela RioCard demonstrariam apenas o horário (dia e hora) e a linha de ônibus (o trajeto) em que a vendedora ingressou no transporte público. “Não se sabe nem em qual ponto ou até qual ponto as pessoas realmente se deslocaram”, avaliou. 

Em reforço a sua tese, a relatora observou que a alegação da vendedora sobre a possível utilização do cartão por terceiros comprova que não há nenhum “estado de vigilância” relativo à localização das pessoas. 

Dado pessoal

A ministra ressaltou que a Constituição Federal assegura o direito à intimidade, à vida privada e à proteção dos dados pessoais. Por sua vez, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei 13.709/2018) estabelece que o tratamento de dados pessoais poderá ser realizado, entre outras hipóteses, “para o exercício regular de direitos em processo judicial”. “A própria LGPD excepciona a proteção à vida privada e à intimidade quando se está diante do exercício regular de direito em processo judicial”, concluiu.

A decisão foi unânime.

TST – 08.11.2023 – Processo: ROT-103254-68.2022.5.01.0000